PARA REFLETIR


O CONTO DO RIO            

Um dia, à tardezinha, quando o sol se ajeitava para deitar, ouviu-se o ecoar de uma voz à beira de um rio: “o que será essa coisa que corre neste pequeno espaço?” Logo, uma outra voz ressoou: filho, a esta coisa se dá o nome de Rio. A criança questionadora começou: para que serve? Se é água, deve ser fria ou quente. Será que é fundo? Há bichos no Rio? Nossa! Aquelas pedras enormes! E virando-se para sua mãe, disse: mãe, já estou com oito anos, farei a partir de hoje, uma pesquisa sobre o Rio, conversarei com todos que encontrar e mãe sugeriu que começasse entrevistando o mestre João, canoeiro velho e sábio, depois Laurita , a lavadeir, e depois passasse pela casa do Toim, pescador. 
Quando mãe e filho se puseram à caminho, já era noite. No dia seguinte, o pequeno guri levantou cedo, antes de o sol “lavar” o rosto e foi para sua missão. Conversara com muitos, perguntara a muitos. Quando deu por si, o sol já estava tomando o café da tarde, e ele nem almoçara. Saiu correndo, à galope, quando ouviu vozes chamando: “ei, venha se banhar com a gente.” Virando-se, viu garotos no Rio, mas preocupado com suas entrevistas, só respondeu: “não, preciso almoçar e voltar à minha pesquisa.”Estou fazendo um estudo sobre o Rio.
Passou o verão, chegou o inverno, o sol se escondera dentro de sua casa e ele só saía para apanhar lenha, afim de se aquecer. O Rio tornou-se Deserto.
Durante todo o verão, ele ouvira as vozes das crianças: “venha se banhar com a gente”. E sempre se ouvia a mesma resposta. E assim, se passaram longos anos. Ele possuía certeza plena de que a água do Rio era fria ou quente, pois muitos afirmaram, que o Rio afogava e dava vida, pois muitos assim falaram. Que era fundo ou raso, pois muitos mediram. Que a corredeira terminava na grande cachoeira, pois ele vira. E que o Rio se transformava em energia, numa tal hidrelétrica que ele nem sabia, direito, o que era. Muitas vezes ele pensou em tocar o Rio, senti-lo... mas temia não conhecê-lo plenamente, ainda. Queria descobrir tudo sobre o Rio: de bom e de ruim.
Um dia, sem quere, o menino adolescente, pisou nas águas do Rio. E num sobressalto, espantado, percebeu que o Rio o apavorava. Que tudo que ouvira, lera e escrevera, era diferente, ainda que parecido com o que sentira naquele momento. Era como se lhe faltasse o fôlego.
Depois que o sol se cansou de deitar sob a noite enluarada e se levantar sobre a estrela d’alva, esbocejando, a lavar seu rosto quente... lá na terra, o menino tornou-se homem, honrado, pai de família e logo passou para seu filho todos os conhecimentos adquiridos por ele, inclusive sobre o Rio. E o filho crescia, às margens do Rio e à sombra do Pai.
Certa manhã, enquanto o sol brincava de “se ver nas águas e se sentir um verdadeiro astro”, ouviu-se um grito de espanto: filho, filho, oh meu Deus! E, desesperadamente, o conhecedor do Rio pôs-se a enfrentar as águas que quase o afogava e em desespero chega até à criança que brincava nas águas tranqüilas, que de profundidade não possuía 50 centímetros. E o filho se deliciava a apanhar peixinhos e ensaiar suas primeiras braçadas. E quanto ao pai, pela primeira vez na vida perdeu o temor do Rio e se viu encharcado em suas águas, constatando que nada se compara ao estar nas águas, mesmo com “frio na barriga”.
E quem disse que a vida não é um riacho?


Autoria: Edson Alves Peixoto